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Cidade, design e sustentabilidade:

caminhos para cidades sustentáveis por meio do design

Barbara Szaniecki

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A pesquisa “Cidade, design e sustentabilidade: caminhos para cidades sustentáveis por meio do design” tem como ponto de partida pesquisas por mim desenvolvidas, muitas vezes em colaboração com orientandas e orientandos do Laboratório de Design e Antropologia do Programa de Pós-Graduação em Design da Esdi/UERJ. Elas foram desenvolvidas no Rio de Janeiro a partir de três eixos: “Cidade Criativa”, “Cidade Sustentável” e “Cidade Inteligente”. Considerando que o eixo “Cidade Criativa” foi desenvolvido e finalizado (com atividades variadas e muitas publicações, entre artigos, capítulos de livro e um livro), a proposta aqui apresentada pretende desenvolver especificamente o eixo “Cidade Sustentável” que se faz urgente na medida em que os efeitos da crise climática se fazem sentir cada vez mais.​

Nas últimas décadas, a progressão da urbanização da população global tornou-se impressionante e até alarmante. O nível de 10% em 1960 tornou-se 50% em 2007 e está previsto alcançar 75% em 2050. Vivemos uma era urbana que assusta pela sua complexidade, deixando governos sem meios para enfrentar o que muitos designam por Antropoceno. Segundo Ricky Burdett e Philipp Rode, “as grandes questões às quais se enfrentam as cidades são claras – globalização, imigração, empregos, exclusão social, sustentabilidade – mas muitas das pessoas que governam as cidades não têm as respostas” (BURDETT, RODE, 2007). E, como se a complexidade não bastasse, por trás da homogeneidade das estatísticas, encontram-se realidades radicalmente diferentes nas relações entre forma urbana e sociedade urbana moldadas pelo impacto homogeneizador dos fluxos globais de capital, pessoas e energia. Cada forma de cidade – compacta, alta, baixa, hiper-densa, extensa, dispersa, policêntrica, geométrica, orgânica ou informal – traz consigo seu próprio conjunto de consequências sociais e ambientais” (BURDETT, RODE, 2007).

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Para apreender a atual urbanidade, é preciso apreender suas dinâmicas sociais e, ao mesmo tempo, aquelas dos “projetos” urbanos que à essa formação se articulam ou tentam se sobrepor. Temos aqui algumas pistas para reflexão: por um lado, na passagem da cidade industrial para a megalópole pós-industrial, as transformações dos modos de produção, de acumulação e, do próprio trabalho e, por outro e ao mesmo tempo, as consequências dessas transformações sobre o projeto urbano. Trata-se de refletir sobre os encontros e desencontros entre as transformações materiais que atravessam e (re)estruturam os espaços metropolitanos e as ações políticas, econômicas e, sobretudo, projetos que tentam simultaneamente lidar com essas dinâmicas.

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Esta pesquisa traz, portanto, como indagação geral: a crise é apenas da cidade ou é também do projeto, do próprio modo de projetar? A crítica ao planejamento e aos projetos modernos faz-se necessária, mas é preciso ir além. Muitas são as tentativas teóricas e práticas por parte dos poderes públicos e interesses privados de encontrar caminhos para apreender as cidades contemporâneas e as possibilidades de nela atuar. Surgem termos como “cidade criativa”, “cidade sustentável” e “cidade inteligente”, entre outros. Cada um deles carrega percepções diferentes do espaço urbano e caminhos de atuação para o designer: o espaço urbano como “máquina de produção” ainda atrelada ao período industrial com sua característica separação de funções; o espaço urbano como “meio de polinização” na medida e desmedida que se abre por meio de atividades projetuais colaborativas aos necessários emaranhamentos entre natureza e cultura; o espaço urbano como “fluxo de informações” que não cessa de rearticular aspectos materiais e imateriais da metrópole e, em particular, as dimensões analógicas e digitais onde cidadãos navegam e são por elas navegados, no sentido de serem conduzidos e até potencialmente controlados.

Cada um desses termos acrescenta complexidade e camadas à imensidade da metrópole. Assim como trazem novos desafios para as cidades com seus governantes e seus cidadãos e, em particular, para aqueles que pretendem projetá-las e, eventualmente, controlá-las: os designers urbanos. O pensamento e as práticas de projeto aplicados à cidade se modificaram e se multiplicaram: o planejamento urbano se faz acompanhar das sutilezas de um design que é sempre, nos termos de Bruno Latour, um redesign; das delicadezas de um making que se desfaz à imposição da forma à matéria a favor de relações entre forças e materiais, nos termos de Tim Ingold; e, por fim, das virtualidades de um mapping que se desdobra continuamente, nos termos de Antoine Picon. É aqui, nesses muitos desdobramentos do design, que encontramos o paradoxo do projeto contemporâneo quando, frente à imensidão da metrópole, muitas vezes opta por uma abordagem infinitesimal.

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Esta pesquisa traz como questões específicas de pesquisa: como o design pode contribuir para a vida nas cidades, para a sustentabilidade dos espaços urbanos? Em que medida, a cidade entendida como meio de polinização transforma o próprio design? Já existem estudos sobre o tema, mas nossa pesquisa traz uma perspectiva original. Com relação à cidade pós-industrial, ela traz uma nova visão sobre o espaço urbano como “meio de polinização” e, por esses termos, nos referimos não apenas às atividades de polinizadores como as abelhas, como também às atividades dos humanos e, em particular às atividades dos designers. Em crescimento contínuo, as cidades se transformam em imensas metrópoles, desafiando, assim, a própria noção de sustentabilidade. Diante desse desafio, governos e também empresas, mergulhados em crises de múltiplos aspectos, procuram se organizar em torno do discurso do “crescimento ecologicamente sustentável” baseado em novos motores de desenvolvimento e, sobretudo, em critérios de valor aos quais possam ancorar uma nova dinâmica de acumulação. Os desafios e deslocamentos que um “crescimento ecologicamente sustentável” implicam estão longe de serem estáveis e nítidos. E nada diz que essa ressignificação possa acontecer sem uma redefinição dos próprios alicerces do capitalismo, isto é, do regime de propriedade privada (mercado) ou pública (estatal).

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Para além deste imenso desafio jurídico-político, a busca de uma cidade sustentável tampouco pode se basear em critérios “naturais”. O “respeito” da natureza não deixa de ser o produto de uma razão tão instrumental quanto aquela do “desrespeito” à natureza. Por um lado, o “desrespeito da natureza” com suas atividades predatórias significa um abominável direito de dominação de tudo que não é considerado humano que, como bem sabemos, foi o instrumento fundamental da dominação de alguns humanos, não apenas sobre os não humanos, como também sobre outros humanos. Por outro, o “respeito” da natureza acaba opondo-se às políticas sociais e esse sentimento humano acaba, paradoxalmente, revelando um anti-humanismo. Precisamos reconhecer as dimensões qualitativas e sociais da atividade econômica e, pois, “desnaturalizar” seus recursos – a água, o fogo, a terra, o ar – para afirmá-los como artefatos híbridos de cultura e natureza.

Para a conceituação do espaço urbano como “meio de polinização”, usamos as análises do teórico Yann Moulier Boutang entre outros. Ele sugere o abandono da metáfora do trabalho humano que tem na atividade das formigas o seu modelo, e no “lazer” das cigarras o seu contraponto, e assumir aquela da colmeia. Sob essa perspectiva, para além da produção de mel inicialmente destinado ao autoconsumo, a criação das rainhas e das futuras abelhas e, posteriormente destinado ao lucro do apicultor, é preciso considerar a construção da rede do território necessário à colheita do pólen, de flor em flor. A atividade polinizadora de humanos e não humanos no espaço urbano constitui o território que denominamos “meio de polinização”.

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É na análise de atividades de designers no espaço urbano em bairros e, mais especificamente em hortas, canteiros, terrenos baldios entre outros interstícios que pretendemos quantificar e qualificar práticas de design para uma cidade sustentável. Como mencionamos acima, o trabalho contemporâneo – em particular nos tipos de trabalho que estamos tomando como paradigmáticos, isto é, o do design, mas também da cultura e da agricultura – mais se assemelham a uma polinização do que a uma produção fordista. Nesse processo, serão incluídas questões específicas relacionadas ao desenvolvimento regenerativo por meio da compensação de carbono, à recuperação de áreas degradadas, à agricultura familiar, agroecologia, permacultura urbana e ações de educação ambiental. Como pensar a polinização por meio de um design que deixa de estar atrelado a noções de criação, construção, ou fabricação e se aproxima de um associar humanos e não humanos, coisas e questões através do desenho com a cautela de um pós-Prometeu (LATOUR, 2009)? A partir de Tim Ingold (2011), denominamos “making” esse modo de atuar por meio do design. Após observação e análise, serão criadas novas metodologias e práticas de design adequadas a essas questões.

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Esta pesquisa é financiada pela FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo aÌ€ Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Processo E-26/204.234/2024 - SEI-260003/013661/2024 e CNPq.

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Professora Adjunta da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ. Graduada em Comunicação Visual pela ENSAD (Paris), mestre e doutora em Design pela PUC-Rio. Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Design da Esdi/UERJ (2021–2023) e organizou o 14º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design (2022). Foi Visiting Professor no EnsadLab – Plateforme Art, Design et Société (Paris, 2023–2024). Suas pesquisas abordam as relações entre design gráfico, política e estética. É Procientista da UERJ, Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) e coeditora das revistas Lugar Comum, Multitudes e Sciences du Design.

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